[Voltando com o blog depois de um tempo bem longo. Estivemos em um monte de lugares e progredimos bastante em conhecimentos, contatos, equipamentos e habilidades desde então; é até divertido ler os textos antigos e ver a animação de iniciante, rs. Enfim, pensamos em fazer relatos sobre as viagens passadas e ir atualizando com as novas, então fiquem de olho]
“Apenas daqueles em cuja própria consciência o sol nasce e se põe, as folhas florescem e murcham, pode-se dizer que estejam cientes do que é viver.” – Joseph Wood Krutch
No feriado de Corpus Christi viajamos para Alto Caparaó para visitar o lado mineiro do Parque Nacional do Caparaó e subir o Pico da Bandeira. O parque é compartilhado pelos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e abriga o terceiro e o sexto pontos culminantes do país (segundo IBGE, 2011), Pico da Bandeira, 2892 m, e Pico do Cristal, 2769 m. O Pico da Bandeira, aliás, por muito tempo foi considerada a maior montanha do Brasil, até que perdesse sua posição para o Pico da Neblina e o 31 de Março, ambos na Serra do Imari. O Pico da Bandeira, entretanto, permanece uma das mais acessíveis das grandes montanhas do país, dada a estrutura oferecida pelo parque nacional.
Partimos de São Paulo, com mais 14 pessoas na van (organizado pela galera do Trip Sociedade Alternativa), na noite de quarta-feira para chegar em Alto Caparaó na quinta e ir para o Parque após almoçar na cidade. Alto Caparaó é bem pequena, passando o portal somos recebidos por um cartaz dizendo que a cidade produz o melhor café do Brasil, e podemos ver que há o hábito e estrutura para receber os visitantes. Diversas lojas e anúncios oferecem serviços aos trilheiros, desde venda e aluguel de equipamentos de camping até passeios de jipe. E a vista da serra é belíssima em qualquer lugar da cidade. Lugar bastante aconchegante.
Paramos para almoçar num self-service, ao preço de 15 reais para comer à vontade, o mesmo de restaurantes próximos pelos quais passamos. Uma boa refeição depois, era hora de ir para o parque onde acamparíamos até a tarde de sábado. No caminho há diversas opções de hospedagem, com diferentes níveis de luxo, para os que não desejam acampar. Logo se vê o portal do parque, onde visitantes se cadastram na portaria e recebem um panfleto com mapa do local e orientações, tudo muito bem organizado.
Da portaria ao acampamento Tronqueira, onde ficaríamos, são 6 km de estrada de terra, passando pelos acessos ao Vale Verde, mirante “Volta do José Pedro” e Cachoeira Bonita. Paramos brevemente pelo mirante e seguimos para o acampamento.
O Tronqueira fica ao lado do estacionamento e de uma guarita da guarda ambiental, e conta com boa estrutura para os campistas: pontos de água (vinda do rio que desce a montanha), banheiros, chuveiros aquecidos (a gás, pois não há eletricidade) e um belíssimo mirante ao lado.
Montamos a barraca e deixamos tudo pronto para depois. Com tempo de sobra antes de escurecer, fomos explorar o Vale Encantado, a 350 m de lá. O rio descendo forma paisagens maravilhosas e inúmeras piscinas belíssimas de água absolutamente cristalina e de tom esverdeado. O vale certamente carrega um encanto tocante, como sugere seu nome. Conhecemos um pouco dessa belíssima parte do parque subindo e descendo entre as pedras pelo próprio rio, mas é possível usar as trilhas que percorrem a margem, para quem preferir o caminho sem risco de se molhar, rs
Conforme se aproximava a noite, retornamos ao acampamento para um jantar precoce, tanto para aproveitar a iluminação natural quanto para podermos nos deitar cedo, já que à meia-noite partiríamos para o Pico da Bandeira. É tradicional subir dessa forma, para ver o nascer do sol lá em cima. Escureceu às 17h30 e fomos dormir uma hora depois, mas devido ao incômodo causado por certos vizinhos conversando alto e tocando música, só pegamos no sono de fato por volta das 22h.
Despertamos no horário combinado e colocamos as vestes necessárias para suportar o frio da madrugada no cume, que pode chegar até -10ºC nos meses de inverno, segundo relatos. De lanternas ligadas, iniciamos o longo caminho. Estando acampados no Tronqueira, nosso percurso seria de 3,7 km até o acampamento Terreirão, e mais 3 km até o Pico da Bandeira.
O terreno pedregoso e ascendente torna a distância, tecnicamente curta, mais cansativa e demorada do que se espera, mas não há grandes dificuldades tanto de locomoção quanto de orientação, pois o parque é muito bem sinalizado com setas, postes e placas. Um bastão de caminhada é bem conveniente.
Fizemos uma parada no Terreirão para descansar e esperar a galera se reagrupar antes de encararmos a pernada final ao Pico. Não era interessante chegar tão cedo, já que teríamos de encarar o frio lá em cima por mais tempo.
Iniciamos então o trecho final, junto com um bom número de pessoas do Terreirão que também iriam ver o nascer do sol. Ao longo da subida, olhando para cima e para baixo se viam fileiras de lanternas.
Chegamos ao cume cerca de uma hora antes do nascer do sol e trajados adequadamente ficamos relativamente confortáveis após nos protegermos no vento atrás de uma rocha, mas bastou eu tirar uma luva por alguns segundos para sentir o quão frio estava lá em cima. E mesmo de luvas de fleece, fez falta uma corta-vento por cima. Descobri depois que chegou a -2ºC, que era o que esperávamos mesmo, de acordo com a previsão do tempo. Havia bastante gente lá em cima, mas o espaço é bem amplo para todo mundo poder se acomodar sem problemas.
O pessoal costuma levar cobertores e sacos de dormir pra encarar o frio lá em cima, mas estando bem vestido não acho que haja necessidade. Vale medir o conforto a mais contra o trabalho de subir com mais coisa. De repente um cobertor aluminizado seja a solução ideal pra quem quer ter certeza de que não vai passar perrengue.
Quando veio o sol, belíssimo, veio também a luz que permitiu ver a paisagem ao redor, visões espetaculares que mudavam radicalmente conforme as nuvens passavam e o sol subia cada vez mais. A beleza da cena é difícil de descrever e as imagens não fazem justiça a ela, mas é o melhor a que podemos recorrer para tentar transmitir a visão.
Depois de muito admirar o esplendor de cima do Pico, iniciamos nossa descida, agora com a luz do dia para admirarmos a beleza do parque que não conseguimos ver durante a noite, e foi nesse momento que percebi que não importa para que lado você olhe no Parque Nacional do Caparaó, irá ver algo de magnífico. Inclusive para cima.
Sem motivo para pressa, descemos calmamente admirando a paisagem e conversando com o pessoal pelo caminho. Em duas horas chegamos ao Terreirão, onde paramos para comer uma coisinha e sentar à sombra da famosa Casa de Pedra.
Depois da parada, pegamos mais duas horas de trilha tranquilamente até o Tronqueira, por um caminho também muito bonito, ao lado do rio que desce para o Vale Encantado.
Chegamos no acampamento por volta das 11h, almoçamos e dormimos um pouco. O resto do dia passamos no acampamento conversando com o pessoal e relaxando sob o sol de um belo dia de tempo bom, com algumas nuvens no horizonte que deixaram a vista do mirante muito bonita, mais uma vez. Um bom jantar e mais papo nas mesas do Tronqueira encerraram um dia espetacular. Dessa vez pudemos dormir bem e bastante, mas também sentimos o frio da madrugada com mais intensidade e tivemos que nos aconchegar bastante dentro dos sacos de dormir para ficarmos confortáveis. Estavamos usando sacos de dormir para temperatura de conforto 5ºC, com um cobertor leve por cima e calça e blusa de fleece no corpo. Não chegamos exatamente a passar frio e tinhamos o cobertor aluminizado se isso acontecesse, mas um saco de dormir mais quente teria proporcionado mais conforto.
Na manhã seguinte acordamos cedo e depois de um belo café da manhã, começamos a desmontar o acampamento e levar as coisas para a van, mas ainda teríamos muito o que fazer no parque naquele dia. Passaríamos o dia nos vales e cachoeiras antes de botar o pé na estrada.
Primeiro retornamos ao Vale Encantado e exploramos o outro lado dele. Antes tínhamos descido, agora subimos. E novamente nos deparamos com uma infinidade de piscinas fantásticas com a mesma água cristalina e esverdeada de antes. Realmente uma pena que estivesse frio, esse lugar no calor deve ser um paraíso de piscinas pra escolher em qual nadar.
Partimos depois para o Vale Verde. Acabamos não tendo tempo de passar pela Cachoeira Bonita, o que foi uma pena.
Chegamos ao Vale Verde com rumores de que seria ainda mais bonito do que o Vale Encantado. O local tem boa estrutura para acomodar pessoas para um dia tranquilo perto das águas.
Vendo que dava para subir o rio pelas pedras, fomos ver até onde podíamos chegar.
O ponto final foi o que vou nomear, para minha futura referência, de Poço da Cabeça, uma formosa e profunda piscina ao lado de uma rocha com formato que lembra uma cabeça, inclusive com plantas pra fazerem a vez de sobrancelha, rs
Dava para continuar rio acima, mas envolveria escalar uma parede na margem cujas pedras estavam cobertas de musgo escorregadio e úmido, o que tornaria as coisas um pouco perigosas, então nos contentamos com onde tinhamos chegado.
Depois de um tempo passado ali, voltamos para o início da trilha e pegamos a van de volta pra cidade, onde almoçamos no mesmo local de antes e então começamos a viagem de volta pra São Paulo.
E assim encerro o relato dessa memorável visita a um dos locais mais fantásticos em que já estive. Espero poder voltar em breve para conhecer o lado capixaba, talvez até mesmo fazer a travessia.